Monday, August 04, 2008

Olhar para o céu e espantar-se

No 10º ano, tive a melhor professora de Filosofia do mundo. Do nome, só me lembro que se chamava Ana Maria. Sentava-se em cima da secretária com as pernas a bambolear, ou passeava-se entre as nossas mesas (coisa que mais nenhum professor fazia, não fosse cair da tripeça), com a descontracção que só uma imensa sabedoria e uma enorme paixão pelo ensino consegue proporcionar, enquanto nos abria os neurónios para o existencialismo ou o nihilismo, nos falava de Sartre, Nietzsche e Bertrand Russel e nos punha a nós a pensar, a falar e sobretudo a sentir. Lembro-me de ter pela primeira vez aquele contentamento do "é pá, eu já tinha pensado em algo parecido, que giro, isto dito assim faz todo o sentido, afinal há mais gente a pensar como eu" (o que numa cidade provinciana, tão cheia de dinheiro e superficialidade como vazia de intelecto, não era coisa de somenos importância). Nuns dias ia de bota de camurça com salto agulha, saia travada e maquilhagem, noutros ia de ténis e de jeans coçados. Até disso eu gostava nela.

Acho que de todos os seus ensinamentos, o meu preferido foi "é muito importante que nunca deixem de se espantar. Sabem quando vão na rua e passa um avião? Há pessoas que já nem levantam a cabeça para ver...mas já pensaram, que coisa maravilhosa!, vai ali em cima um avião...nunca percam a vontade de levantar a cabeça e continuar a espantar-se".

Ontem, da minha varanda, o pôr do sol liquefazia-se, de um rubro obsceno, miraculoso, atrás do templo hindú. A lua traçava um esbelto quarto crescente mesmo por cima, coisa que até a um céptico é impossível não despertar uma espécie de fé. E de súbito, da direita para a esquerda, foi piscando um avião. Fiquei a sonhar com o seu destino (daqui a quase-nada já irei dentro de um, também) e sorri, enquanto me lembrava da professora Ana Maria.