Friday, August 08, 2008

Da estratificação social

Só agora me preparo para pôr parte do que sei e sinto sobre o tema por escrito numa tese, mas a primeira vez que fui confrontada com a noção de "estratificação social" foi há 27 anos, na escola primária que então frequentava numa aldeia do concelho de Ourém.
Numa sociedade completamente rural como era aquela, havia dezenas de miúdos filhos de camponeses e outros assalariados de baixas qualificações, e duas meninas filhos de empregados do terciário. Uma era eu (que era morena) e a outra chamava-se Sandra (que era loura).
Como é que aprendi, não na pele, mas na consciência, esta diferença? Era simples: a professora batia sem contemplações nem medida nos filhos dos pobres, não se atrevendo a tocar nas duas únicas filhas dos "ricos".
Assistir aqueles espancamentos regulares, por parte de uma matrona imensa e insensível (que dizia aos meus pais adorar-me, mas a quem eu desprezava, já que felizmente nunca fui obrigada a temê-la, nem a ela nem a ninguém), naqueles infelizes pequenitos, deixou-me uma revolta imensa que marcou definitivamente a minha forma de ver o mundo.
Nunca partidarizei a questão, nunca a levei para os dogmas do maniqueísmo: percebi, simplesmente, a minha obrigação de ser uma pessoa melhor e de tudo fazer para consagrar, mais do que em palavras, em actos, o direito que todos têm à igualdade de oportunidades.

Hoje é quase irónico que eu fale da estratificação social à volta de um tema aparentemente tão mais ligeiro que uma carga de pancada, que é o consumo.
Mas não é ao acaso: queiramos ou não (e não esquecendo as neo-angústias daí advenientes), há no consumo um potencial de escolha, afirmação e concretização de sonhos que seriam impensáveis há décadas atrás. Só pelo facto de agora ser um pouco mais difícil distinguir os ricos dos pobres, quer-me parecer que vivemos numa sociedade bastante melhor.

P.S. Quanto ao passar a ser definitivamente proibido e sancionado bater-se nas crianças (sejam professores, pais, ou outros, a perpetrá-lo), espero poder viver para assistir à concretização de mais esse sonho. Há dias houve um tribunal de Braga que aplicou uma multa a um pai que bateu na filha de 16 anos: é um começo. (E não me venham com conversas: o exercício da força perante um ser mais fraco do que nós é pura e simples falta de inteligência para ser convincente de outro modo. Ou acham que se a criança pudesse bater de volta não se arranjava logo uma argumentação diferente?)

1 comment:

A. said...

podes crer, que época aquela...
a minha professora até chegou a dividir a turma em filas! ela lá fez os seus critérios, um cocktail em que entrou a estratificação social e profissional dos nossos pais, e ainda o nosso aproveitamento escolar. havia a fila dos "bons", a dos "médios" e a dos "burros" (nunca gostei do uso desta palavra). e descarregava, verbalmente e fisicamente, obviamente: na 3.ªfila...
as pessoas não têm a noção destas atitudes. não concordava com a divisão e para sempre vou visualizar cada colega meu sentadinho naquela fila como se tivesse uma etiqueta na testa.