Monday, June 09, 2008

Na aldeia

O primo tamborilava distraidamente com as mãos nas rodas da cadeira, às vezes abanando-se como a uma criança no próprio berço. Porque as conversas são como as cerejas, a prima levou um quilo delas. Falaram de si mesmos um ao outro, sem factos nem novidades nem descrições nem pessoas nem sonhos nem segredos nem mágoas, só com ideias: ideias de si, ideias do mundo, ideias de uma vida que só existia no mundo das ideias. Filosofaram como dois adolescentes tornados anciãos. A sala obscurescia o primeiro calor do Verão. Do outro lado da estradita, a velha casa tão imóvel e silenciosa como no tempo em que os avós eram vivos. Se não se entrasse, era possível imaginar que ainda lá estavam, que depois do cheiro a maçãs na adega eles ainda perguntariam "quem é?" mal ouvissem ranger o prego que segurava a porta e carecia de artes de presdigitador para conceder passagem. A dois passos, já na descida, a tia atirava o neto pequenino ao ar, enquanto o tio sorria bonacheirão. O gato roçava-se na pernas e esgueirava-se pela horta, pejada de flores e pêssegos e morangos a fazerem-se vermelhos e ramagens de cebola e aipo e courgettes inchadas como odres. A mãe do pequeno ligava a saber se ele tinha comido a sopa. A tia suspirava da vida, para logo se desfazer a rir mal o garoto lhe acenava com uma nova momice. O milho fazia-se grande, toda a fecundidade do Verão e da terra arquejavam sensualmente. À noite, os grilos palravam sob as estrelas cálidas.

No comments: