Tuesday, May 06, 2008

A seu tempo

Iam sempre no mesmo autocarro, da escola para casa. Começaram a falar por casualidade e passaram a sentar-se juntos. Falavam muito, tanto quanto se pode falar muito em 20 minutos de solavancos e chiares de carripana velha. Ele era sereno, correcto, tinha a voz mansa e a palavra cheia de siso. Ela gostava dele. Ele sorria. Ao fim de alguns meses, ele decidiu-se enfim a informá-la, sempre com delicadeza, de que o sentimento que percebia nela não era correspondido. “A vida não é como nós queremos”, sentenciou ele salomonicamente. Ela ficou varada, quase mais por ele ter notado do que por ele não a querer. Continuaram a falar no autocarro.
Uns tempos mais tarde, calhou ele pedir-lhe emprestado um dicionário de francês. Ficou com ele durante meses. Já sarada e a precisar de fazer uma tradução, ela telefonou-lhe a pedir o dicionário de volta. Ele apressou-se em desculpas e prometeu devolver-lhe o dicionário. “Não quero que fiques chateada comigo”, disse com a sua voz sempre melíflua. E a ela, então, não lhe ocorreu melhor para responder do que um sincero “pois é; mas a vida não é como nós queremos”.

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